Caros Estudantes

Bem-vindos ao espaço dedicado à disponibilização do material de estudo das disciplinas de Direito Constitucional e Direito Constitucional.

O material pode ser usado livremente pelos estudantes, sem, no entanto, se esquecerem de citar as competentes fontes constantes nos textos.

ATENÇÃO: Este material não dispensa a leitura da bibliografia fornecida para as cadeiras a que respeitam, sendo os estudantes motivados a recorrer SEMPRE aos autores fornecidos.


quarta-feira, 2 de março de 2011

Ciência do Direito Constitucional, Ciencias Constitucionais e Afins

Direito Constitucional (Continuação)

3. Direito Constitucional, Ciências Constitucionais e Ciências Afins

Direito Constitucional: objecto e método.

O direito constitucional é um ramo do direito público interno de uma ordem jurídica global: no nosso caso, a ordem jurídica moçambicana.

Apesar das dificuldades da distinção, é tradicional dizer-se que o direito cons­titucional pertence, juntamente com outros ramos do direito - direito internacional, direito administrativo, direito criminal, direito fiscal, direito processual - ao direito público.

O direito constitucional é direito público, qualquer que seja a teoria preferentemente adoptada para alicerçar a distinção entre direito público e direito privado.

De acordo com o critério da posição dos sujeitos (também chamado «critério da sujeição» ou «critério da subordinação»), o direito público é caracterizado por relações de supra-infra-ordenação, enquanto o direito privado se caracteriza por rela­ções essencialmente igualitárias. Daqui resultaria a existência, nas relações de direito público, do exercício de um poder de autoridade através de formas e procedimentos típicos (ordens, comandos, medidas normativas). Esta teoria explica satisfatoriamente a razão de na maior parte das relações reguladas pelo direito constitucional se veri­ficar o exercício de um poder de autoridade (publica potestas).

A teoria dos interesses preferentemente protegidos numa relação jurídica ou através de uma norma jurídica (protecção de interesses individuais -> direito privado; protecção de interesses públicos -> direito público) põe, de forma correcta, em relevo, o carácter público dos fins e tarefas subjacentes às normas de direito constitucional.

A teoria da especialidade (também chamada «doutrina de orde­nação» ou «teoria da especialidade do direito») arranca da ideia de que o direito público é um «direito especial», exclusivamente regu­lador dos direitos e deveres de titulares de poderes públicos. Porém, embora um número significativo de normas do direito constitucional vise regular direitos e deveres dos poderes públicos (ex.: normas de organização do poder político), muitas outras normas de direito cons­titucional têm como destinatários entidades privadas (normas de direi­tos fundamentais, normas da organização económica).

O Direito Constitucional é uma ciência jurídica que, como avançamos anteriormente, se ocupa do estudo da constituição política do Estado.

Para Canotilho, existem duas perspectivas a adoptar no estudo do direito constituicional, a saber:
1. Pers­pectiva dogmático-constitucional, voltada para o estudo de um ramo do direito pertencente a uma ordem jurídica concreta — doutrina do direito constitucional;

2. Perspectiva teorético-constitucional, interessada principalmente na fixação, precisão e aplicação de conceitos de direito constitucional, desenvolvidos a partir de uma «construção» teórica e não com base numa constituição jurídico-positiva — teoria da constituição.

A perspectiva metodológica adoptada pelo autor assenta na ideia de o discurso constitucional ganhar sentido juridicamente útil quando centrado numa constituição positiva (ex.: a Constituição da República de Moçambique de 2004) e não numa constituição ideal, de conteúdo abstracto, sem qualquer ligação a uma ordem histórica concreta.

Interessa, sobretudo, compreender e analisar a força e valor normativos de uma constituição concreta, historicamente situada. Isto significa também a necessidade de a ciência do direito constitucional ser constitucionalmente adequada, ou seja, uma ciência desenvolvida em torno de uma ordem jurídico-constitucional positiva.

Para Canotilho, a adopção de uma perspectiva jurídico-dogmática não significa que a doutrina do direito constitucional se possa divorciar de uma teoria da constituição. Esta última ilumina criticamente os limites e possibilidades do direito constitucional e contribui para a «investiga­ção», «descoberta» e «refutação» das soluções jurídico-constitucionais. Procurar-se-á, assim, obter a conjugação de dois planos: (1) o da teoria da constituição, onde se discutem os problemas constitucionais sob um prisma teorético-político; (2) o da doutrina do direito constitu­cional que estuda, descreve e problematiza as estruturas fundamentais de uma lei constitucional positiva2.

A metódica cons­titucional procura fornecer os métodos de trabalho aos aplicadores-concretizadores das normas e princípios constitucionais. Através da metódica captam-se as diferentes funções jurídicas de uma lei funda­mental, investigam-se os vários procedimentos de realização, concre­tização e cumprimento das normas constitucionais. À metódica cons­titucional caberá trabalhar e compreender o direito constitucional posi­tivo (ex.: através da interpretação, qualificação e análise das normas), de modo a que o trabalho jurídico possa optimizar as normas e princípios do Estado de direito democrático constitucionalmente conformado.

Miranda sintetiza que o método próprio da Ciência jurídica é o método dogmático, que consiste na interpretação e construção, análise e síntese, induzir para deduzir mais tarde, andar do particular (da norma ou do preceito) para o geral (a unidade do sistema) e deste, outra vez, para o particular (a subsunção das situações e relações da vida); em suma, uma elucidação racionalizante e totalizante.

Este autor refere que o maior vício do positivismo consiste na rendição do jurista perante o legislador, conjuntural ou não. O maior vício do formalismo reside em pedir à lógica mais do que aquilo que pode dar. Pelo contrário, o Direito está acima e para além da lei; há valores suprapositivos a atender, únicos que lhe podem imprimir razão e permanência; a elaboração científica implica o apuramento de conceitos, mas não se esgota na sua concatenação; o sistema é confrontado com a mediação do problema; a lógica fornece processos de raciocínio, não fornece soluções.

De resto, o Direito é uma realidade cultural, indesligável das demais experiências humanas (2), e existe uma comunicação constante e dialéctica entre normas e factos.

No que à nossa disciplina em especial importa, haverá que contar com a directa relação entre a Constituição e aquilo que se tem chamado realidade constitucional, ou realidade política, económica, social e cultural que lhe subjaz, a que pretende aplicar-se e de que depende, em maior ou menor medida, o seu modo de vigorar.

Elementos de Estudo do Direito Constitucional

O elemento primeiro e fundamental de estudo do Direito constitucional é a Constituição, porém, não basta ler o texto vigente da Constituição do país. É necessário compará-la com outras Constituições de outros países e com Constituições já não vigentes do mesmo país. (Miranda, 2000).

O Direito constitucional é Direito vivo e prático. As noções adquiridas têm de ser postas à prova, documentadas e cotejadas com o labor e os resultados da interpretação e da aplicação das normas quer pêlos órgãos políticos, quer pêlos órgãos sujeitos a critérios jurídicos de actuação.

Há, por conseguinte, que estar atento à legislação de execução da Constituição e à jurisprudência constitucional (latissimo sensu).

4. Ciência do Direito Constitucional, Ciências Constitucionais e Ciências Afins

Ao Direito constitucional em sentido objectivo (conjunto de normas jurídicas) corresponde o Direito constitucional em sentido subjectivo (conhecimento dessas normas). Ao Direito constitucional corresponde a ciência do Direito constitucional.

A Ciência do Direito constitucional não é, portanto, senão a Ciência Jurídica ou Jurisprudência aplicada ao Direito constitucional; a disciplina científica que, seguindo o método jurídico ou dogmático, visa reconstruir o Direito constitucional como sistema normativo; a ciência social normativa que procura apreender o sentido de certos factos sociais, os políticos, através das normas que os regem.

Por outras palavras: a Ciência do Direito constitucional é a ciência jurídica do Estado, aquela disciplina que tem por objecto o Estado, mas o Estado mediatizado pela Constituição - seja o que for que, em rigoroso plano doutrinal ou teórico, se entenda ser a Constituição.

Sem embargo das especialidades que resultam do objecto material, a natureza e a função da Ciência do Direito constitucional em nada diferem da natureza e da função das demais disciplinas jurídicas.

Não se trata só da unidade essencial de todo o Direito e de toda a Ciência jurídica. Trata-se também, porque o Direito constitucional é o tronco do ordenamento estatal, da interdependência de seu estudo e do estudo dessas outras disciplinas. Hoje, não se afigura possível a elaboração dogmática, pelo menos, de grandes princípios de diversos ramos de Direito sem uma referência ou compreensão sistemática a partir do Direito constitucional.

A Teoria Geral ou Doutrina Geral do Direito público procura, da mesma forma que a Teoria Geral do Direito civil e, de certo modo, em reacção contra tendências demasiado privatísticas da Teoria Geral do Direito, encontrar esquemas e categorias comuns às várias disciplinas de Direito público — assim, v. g., os conceitos de pessoa colectiva pública, atribuições, órgão, deliberação, função, competência, poder funcional, acto, procedimento, processo.

A Teoria Geral do Estado, por seu turno, pode ser tomada ou como construção judica do Estado, das suas condições de existência e das suas manifestações vitais, ou (menos frequentemente) como enquadramento do Estado na dupla perspectiva de realidade jurídica e realidade social. Em qualquer dos casos, visa o Estado em si ou, melhor, certo tipo de Estado, não este ou aquele Estado localizado.

Ambas estas disciplinas distinguem-se bem da Ciência do Direito constitucional, pois que não intentam reconstruir sistematicamente nenhum Direito constitucional positivo, nem perscrutar o sentido das suas normas para a aplicação aos casos concretos ou para que delas tomem consciência os destinatários. Todavia, são com elas comunicáveis: por um lado, a Ciência do Direito constitucional — assim como a História do Direito constitucional e o Direito constitucional comparado — fornecem os dados com que trabalham as Teorias Gerais; em compensação, estas põem à disposição do intérprete e do legislador instrumentos mais apurados de análise e de formulação dos comandos normativos.



1. Direito constitucional, História do Direito constitucional e Direito constitucional comparado

A Ciência do Direito constitucional é completada ou auxiliada pela História do Direito constitucional e pelo Direito constitucional comparado (à semelhança do que se passa com outras disciplinas da ordem jurídica estadual, mas ainda com mais forte razão).

A História constitucional está para o Direito constitucional como, em geral, a História do Direito para a Ciência do Direito. E afasta-se da História das instituições políticas (um dos aspectos da História política) na medida em que a História das instituições apenas toma em conta as instituições como realidades existentes na vida social, ao passo que a História constitucional pretende chegar às instituições através do estudo da sucessão de normas constitucionais e das correspondentes vicissitudes.

A História das instituições dá preferência ao modo efectivo como se vão conformando, ao longo do tempo, as instituições políticas; a História constitucional parte da Constituição para chegar ao conhecimento das instituições.

O Direito constitucional comparado - se se quiser, a comparação de Direitos constitucionais -assenta em sistemas jurídicos positivos, mas não necessariamente vigentes. Ou se trata de sistemas que coexistem em determinada época (comparação simultânea) ou de sistemas que pertencem a momentos diferentes em um ou mais de um país (comparação sucessiva).

A diferença entre Direito Comparado e História do Direito consiste no seguinte: o Direito comparado tem por fim o estabelecimento de relações de semelhança ou diferença, de afinidade ou repulsa entre institutos e sistemas; a História tem por fim o estabelecimento de relações de causa e efeito entre institutos e sistemas que se sucedam cronologicamente (); o primeiro acarreta uma visão de predominância estática, mesmo se reportada a realidades sucessivas; a segunda uma visão dinâmica e genética mesmo se localizada em dada época; aquee envolve abstracção; esta requer inserção num vasto panorama institucional e social.

Enlace entre a História e o Direito constitucional comparado vem a dar-se na História constitucional comparada (assim, confronto entre o regime da liberdade de imprensa em Portugal e no Brasil desde 1900 ou entre o Parlamento britânico e o francês nos últimos cem anos). Conceito complexo, o que a distingue não é tanto o debruçar-se sobre as instituições jurídicas ao longo dos tempos quanto o procurar captar as respectivas linhas de conservação e de transformação.

A: Ciências Constitucionais

Canotilho define «ciências constitucionais» como aquelas discipli­nas cujo objecto de compreensão e investigação é, imediatamente, nos seus aspectos fundamentais, o direito constitucional e a consti­tuição.

1. Doutrina do Direito Constitucional
Por Doutrina do Direito Constitucional considera-se a disciplina juridico-científica que tem como objecto o estudo do direito constitu­cional vigente em determinado país. A tarefa principal da doutrina do direito constitucional consiste na investigação, compreensão e extrinsecação daquilo que, com base no direito constitucional positivo, é considerado como jurídico-constitucionalmente vinculante. Uma Dou­trina do direito constitucional reconduz-se ao estudo da ordem cons­titucional global ou de parte dessa mesma ordem (sistemática do direito constitucional), com o objectivo de investigar e captar, sob uma pers­pectiva jurídico-constitucional, as soluções constitucionais de um deter­minado problema concreto (metódica do direito constitucional).

2. Teoria da Constituição
Não obstante continuar a ser discutido o «lugar» teorético-científico da chamada «Teoria da Constituição» (Verfassungslehre, na terminologia alemã), pode afirmar-se que esta ciência constitu­cional se assume, fundamentalmente, como teoria política do direito constitucional e como teoria científica da dogmática de direito constitucional (Morlock), pertencendo-lhe discutir, descobrir e criticar os limites, as possibilidades e a força normativa do direito constitucional.

A ela incumbe descrever, explicar e refutar os seus fundamentos ideais e materiais, as suas condições de desenvolvi­mento, pondo em relevo as complexas relações entre a constituição e a realidade constitucional.

3. História Constitucional
A História Constitucional estuda a evolução do direito constitu­cional (história do direito constitucional) e da constituição material (história constitucional em sentido amplo), abrangendo a história das instituições. Enquanto a doutrina do direito constitucional estuda uma ordem constitucional concreta, positiva e vigente, a História Consti­tucional preocupa-se, sobretudo, com ordenamentos constitucionais que deixaram de ter vigência e validade jurídica formal (mas há também história do direito constitucional vigente), de forma a com­preender e explicar as primeiras manifestações do direito constitu­cional — quer escrito quer eventualmente praticado — de determina­dos períodos históricos 23.

4. Política Constitucional
A Política Constitucional preocupa-se com a definição de con­ceitos e estratégias, tendo em vista uma futura alteração do direito constitucional vigente (política de direito constitucional) e da própria realidade constitucional (política constitucional). Consequentemente, à política constitucional pertence: (1) discutir e explicar os fins, os meios e os resultados a obter com as suas propostas de modificação constitucional (política constitucional como análise de fins, meios e resultados); (2) criticar e desenvolver estratégias de acção com a finalidade de obtenção de resultados práticos de conformação cons­titucional (política constitucional como proposta de acção política).

5. Direito Constitucional Comparado
Por ciência do Direito Constitucional Comparado entende-se a ciência que estuda, descreve e explica vários sistemas constitucionais positivos, tentando captar as suas dimensões fundamentais e os seus traços unificadores e compreensivos (Ciência do Direito Constitu­cional Comparado).

Repare-se, porém, que qualquer das ciências constitucionais anteriormente referidas — doutrina do direito constitucional, história constitucional, teoria da constituição e política constitucional — pode ser objecto de estudos comparados (comparatística), motivo pelo qual se fala não apenas de Ciência do Direito Constitucional Comparado mas de Ciências Constitucionais Comparadas

B. As Ciências Afins do Direito Constitucional
Essas disciplinas são designadas, algumas vezes, como «Ciências Afins» do Direito Constitucional.

1. Teoria Geral do Estado
Não obstante a problematicidade do objecto, método e forma de conhecimento, a Teoria Geral do Estado é ainda hoje compreendida como o estudo do que respeita ao «Estado em si», como fenómeno da história política e da vida social. De um modo geral, ela procura captar as características do Estado, o seu aparecimento e transfor­mação, as várias formas de Estado, as ideias sobre o Estado e os fins do Estado. Inicialmente, os propósitos de uma Teoria Geral do Estado eram os de teorizar sobre «tudo» o que diz respeito ao Estado de «todos» os Estados, independentemente do tempo, espaço e condicio-nalismos sociais (a Teoria Geral do Estado como teoria da «Ciência do Estado») 28. A Teoria Geral do Estado, ao pretender captar o «ser
do Estado» (H. Krúger) ou a essência do Estado (Ermacora) corre o risco de se transformar numa ciência «estatista» e «a-histórica», com falsas generalizações e «descontextualizações».

2. Direito do Estado
Por Direito do Estado compreende-se hoje a disciplina que estuda o complexo de normas de direito público respeitantes aos princípios estruturantes do Estado, à sua organização e funciona­mento, e às relações fundamentais entre o Estado e os cidadãos. Para a caracterização do Direito do Estado, utilizam-se conjuntamente três critérios: (1) o critério formal toma sobretudo em conta o «criador» das normas («quem faz o direito do Estado», respondendo se em geral que o Direito do Estado é um direito estadualmente legislado; (2) o critério dos destinatários, porque o Direito do Estado se diri­ge aos órgãos do Estado («a quem se aplicam as normas do Direito do Estado»); (3) critério material ou funcional, pois as normas integradas no Direito do Estado regulam a ordem fundamental do Estado.

As relações do Direito do Estado com o Direito Constitucional podem caracterizar-se assim: (a) o Direito do Estado inclui no seu estudo as normas que fixam a competência do Estado, organizam as instituições estaduais e definem as tarefas do Estado, mas não se limita a ser (nem é) um estudo jurídico das normas do Estado, nem restringe o seu âmbito extensional às normas do Estado, pois abrange questões de política, sociologia, história (b) o Direito do Estado inclui o estudo de normas de direito constitucional que dizem respeito à organização e funcionamento dos órgãos do Estado (e, nesta medida, o Direito do Estado é Direito Constitucional e o Direito Constitucio­nal e Direito do Estado), mas inclui também o estudo de normas constantes de simples diplomas legais (ex.: lei da nacionalidade, leis eleitorais, leis sobre a organização do governo, regimentos parlamen­tares. Desta forma, o Direito do Estado é mais extenso que o Direito Constitucional, pois nem todas as normas jurídicas disciplinadoras do Estado estão ou devem estar plasmadas na Constituição; por outro lado, existem problemas constitucionais regulados não reconduzíveis a problemas do Direito do Estado (ex.: normas sobre direitos funda­mentais, direito municipal).

3. Ciência Política
Não é fácil hoje dar uma definição de Ciência Política nem pre­cisar o seu objecto e método de investigação. Fala-se, antes, de plura­lidade de perspectivas teoréticas subjacentes às várias orientações da Ciência Política: (a) a perspectiva ontológico-normativa remonta às tradições da filosofia prática e da filosofia política, procurando captar os fins e os bens prosseguidos pela actividade política (ou que devem ser prosseguidos), falando-se assim em ciência normativa da polí­tica; (b) perspectiva empírico-analítica que transfere para a análise dos fenómenos políticos os postulados do conhecimento científico (verificabilidade, sistema, generalidade), procurando explicar a realidade política de uma forma descritiva e neutral; (c) perspectiva dialéctico-histórica (também chamada, por vezes, «Ciência Política Crítica») que pretende analisar o político e a política baseada numa teoria da sociedade e numa teoria da história, de forma a tornar transparente os fenómenos do domínio político (Estado, luta de clas­ses, totalidade social, aparelhos ideológicos e repressivos, etc.)

Por sua vez, Miranda ensina que além da Ciência do Direito constitucional, outras disciplinas têm por objecto material, dos seus ângulos próprios, o fenómeno político. São a Ciência Política, a Sociologia Política, a Sociologia do Direito constitucional, a Ciência Política Comparada, a História Política Comparada.

A Ciência do Direito constitucional considera a sociedade (política) através das normas que se lhe dirigem; debruça-se sobre a ordem da sociedade, e não sobre a sociedade enquanto tal; desvenda a imagem do Estado que são as normas, e não (ou não tanto) a que dá a sua prática. As outras disciplinas — cada uma das quais, aliás, oferecendo certa variedade de orientações de base e de metodologia — voltam-se para os factos, no seu desenrolar empírico e funcional;

Assim, enquanto que a Ciência do Direito constitucional configura o Estado na veste de instituição jurídica, a Ciência Política toma-o como sistema de relações, forças e comportamentos, tendo como fundo o poder ou a interferência no poder. Enquanto que a Ciência do Direito constitucional se ocupa, antes de mais, da regularidade ou da validade da acção do poder, a Ciência Política ocupa-se (ou ocupa-se principalmente) da sua efectividade.

A distinção entre a Ciência do Direito constitucional e a Sociologia Política não oferece hoje grande melindre, passada a voga do sociologismo de início do século. Outra coisa vem a ser a separação da Ciência Política da Sociologia Política e desta da Sociologia do Direito Constitucional.

Aproximativamente, dir-se-á que a Ciência Política estuda o fenómeno político em si, as estruturas govemativas e as estruturas de participação política, estuda e tenta reconstituir os sistemas de poder; a Sociologia Política estuda o fenómeno político situado no domínio mais vasto dos fenómenos sociais e pretende conhecer as acções recíprocas entre o Estado e outras manifestações da vida social, pretende conhecer a acção e reacção que existe entre o fenómeno político e os demais fenómenos sociais; a Ciência Política descreve e analisa os sistemas políticos; a Sociologia Política procura explicá-los através de métodos sociológicos adequados.

A Sociologia do Direito Constitucional é a sociologia jurídica especial cujo fito consiste em dar a conhecer o modo como surgem, perduram e se aplicam as regras constitucionais; ou, doutra perspectiva, é a sociologia jurídica especial que se volta para as instituições constitucionais toando-as como instituições sociais (). Mas poderá acabar por haver larga zona de sobreposição.

Quanto à Ciência Política Comparada, ela está para a Ciência Política como o Direito Constitucional Comparado para o Direito Constitucional.

E também disciplina de charneira é a História Política Comparada, paralela da História Constitucional Comparada.

Ciência do Direito Constitucional como com a Ciência Política, é estruturalmente uma ciência prática.


4. Caracteres Distintivos e constitutivos do Direito Constitucional

Apesar da inexistência de um critério único e seguro para distinguir entre direito público e direito privado, a caracterização do direito constitucional como direito público tem uma função didáctica e prática, pois permite pôr em relevo algumas manifestações típicas deste direito:
1. Enquanto o direito público é tendencialmente carac­terizado pela adopção de formas de acção unilateralmente ditadas (lei, regulamento, acto administrativo, sentença — direito coactivo), no direito privado predomina essencialmente (mas não exclusivamente) a autonomia privada (ordem igualitária — direito flexível);

2. Os pode­res públicos têm de agir e só podem agir quando têm competência constitucional ou legalmente fixada (princípio da determinação cons­titucional de competências), ao passo que os sujeitos privados gozam de tendencial liberdade na conformação de relações jurídicas (embora haja também tipicização de competências ou de atribuições nas relações jurídicas de certos ramos de direito privado como o direito das coisas, o direito de família, o direito de sucessões);

3. A actuação dos pode­res públicos subordina-se a princípios constitucionais inderrogáveis — princípio da constitucionalidade, princípio da legalidade, princípio da publicidade — que não valem, ou valem em medida e grau dife­rente, para as relações jurídico-privadas;

4. O controlo jurisdicional dos actos das entidades públicas pode justificar jurisdições e proces­sos específicos (processo de inconstitucionalidade -> Tribunal Cons­titucional; controlo da legalidade -> tribunais administrativos) enquanto para as relações jurídicas privadas se fala numa via judiciária ordinária (tribunais comuns).[1]

Características do Direito Constitucional
O  Direito Constitucional converte-se em elemento de unidade do Ordenamento Jurídico da Comunidade no seu conjunto, tendo em conta que é na Constituição onde se estabelece pressupostos de criação, vigência e execução das normas do restante ordenamento jurídico.

Assim, o Direito Constitucional possui determinadas particularidades que o identificam, quais sejam:

A: Posição Hierarquico-normativa

O direito constitucional é um ramo de direito dotado de certas características especiais. Tem uma «voz» específica expressa através da forma, do procedimento de criação e da posição hierárquica das suas normas. Estes elementos permitem distingui-lo de outras conste­lações normativas do ordenamento jurídico.

O direito constitucional caracteriza-se pela sua posição hierarquico-normativa superior relativamente aos outros ramos do direito. Ele estabelece-se numa posição superior em relação aos outros ramos do direito. Esta superioridade hierarquico-normativa concre­tiza-se e revela-se em três perspectivas:

(1) as normas do direito constitucional constituem uma lex superior que recolhe o fundamento de validade em si própria (autoprimazia normativa); (2) as normas de direito constitucional são normas de normas (norma normarum), afirmando-se como fonte de produção jurídica de outras normas (normas legais, normas regulamentares, normas estatutárias); (3) a superioridade normativa das normas constitucionais implica o prin­cípio da conformidade de todos os actos dos poderes políticos com a constituição.

1. A auto-primazia normativa: As normas constitucionais não buscam a sua validade a partir de outras normas com dignidade hierárquica superior, ou seja, elas são uma lex superiori que recolhem o fundamento da sua validade em si próprias (autoprimazia normativa), normas democraticamente elaboradas, aceites e portadoras de um valor normativo formal e material superior.

A superioridade normativa do direito constitucional implica, como se disse, o princípio da conformidade de todos os actos do poder político com as normas e princípios constitucionais. Em termos aproximados e tendenciais, o referido princípio pode formular-se da seguinte maneira: nenhuma norma de hierarquia inferior pode estar em contradição com outra de dignidade superior (princípio da hierarquia), e nenhuma norma infraconstitucional pode estar em desconformidade com as normas e princípios constitucio­nais, sob pena de inexistência, nulidade, anulabilidade ou ineficácia (princípio da constitucionalidade).

· As normas de Direito Constitucional são normas “normae normarum”, afirmando-se como fonte de produção jurídica de outras normas, isto é são normas de normas ou fonte primária de produção jurídica implica, o que implica a existência de um procedimento de criação de normas jurídicas no qual as normas superiores constituem as determinantes positivas e negativas das normas inferiores;

· Conformidade de todos os actos do poder político com a Constituição e princípios constitucionais, isto é nenhuma norma de hierarquia inferior pode estar em contradição com outra de dignidade superior (principio de hierarquia das normas), e nenhuma norma infraconstitucional pode estar em desconformidade com as normas e princípios constitucionais, sob pena de inexistência, nulidade, anulabilidade ou ineficácia (principio da constitucionalidade). Isto vem a significar que as normas superiores constituem fundamento da validade das normas inferiores e determinam, até certo ponto, o conteúdo material destas últimas;

· Limitadora das normas de hierarquia inferior, dado que as normas de direito Constitucional desempenham uma função de limite relativamente às leis ordinárias e regulam parcialmente o próprio conteúdo das normas inferiores de forma a obter-se não apenas uma compatibilidade formal entre as normas constitucionais e as normas ordinárias, mas também, uma verdadeira conformidade material.

2. Fonte Primária da Produção Normativa: O carácter das normas de direito constitucional como normas de normas ou fonte primária da produção jurídica implica a existência de um procedimento de criação de normas jurídicas no qual as normas superiores constituem as determinantes positivas e negativas das normas inferiores. No quadro deste processo de criação, concebido verticalmente como um «processo gradual», as normas superiores constituem fundamento de validade das normas inferiores e deter­minam, até certo ponto, o conteúdo material destas últimas. Daí a existência de uma hierarquia das fontes do direito, isto é, uma relação hierárquica, verticalmente ordenada, à semelhança de uma «pirâmide jurídica».

3. Direito heterodeterminante  - Uma das consequências mais relevante da natureza das normas constitucionais concebidas como heterodeterminações positivas e negativas das normas hierarquicamente inferiores é a conversão do direito ordinário em direito constitucional concretizado. Como determinantes negativas, as normas de direito constitucional desem­penham uma função de limite relativamente às normas de hierarquia inferior; como determinantes positivas, as normas constitucionais regulam parcialmente o próprio conteúdo das normas inferiores, de forma a poder obter-se não apenas uma compatibilidade formal entre o direito supra-ordenado (normas constitucionais) e infra-ordenado (normas ordinárias, legais, regulamentares), mas também uma verda­deira conformidade material.

4. Natureza supra-ordenamental  - A concepção de normas constitucionais no sentido de normae normarum, isto é, normas sobre a produção jurídica, significa ainda que o ordenamento constitucional é um supra-ordenamento relativa­mente aos outros ordenamentos jurídicos do território moçambicano.

B: Auto garantia do Direito Constitucional
O direito constitucional é um direito que gravita em volta de si mesmo, porque a observância dessas normas não é assegurada pela forca de outras instâncias superiores da ordem jurídica, apelando para as suas próprias forcas e garantias de forma a assegurar as condições de realização e execução das suas normas (auto garantia).

Todos os órgãos dos poderes públicos, de forma especial os órgãos de soberania, devem assumir a responsabilidade de respeitar e cumprir as normas constitucionais, independentemente de estas serem ou não susceptíveis de execução forçada, e a sua não observância poder acarretar algum tipo de sanção.

Por vezes, considera-se mesmo o direito constitu­cional como «direito sem sanção» ou como um conjunto de normas imperfectae ou minus quam perfectae, dado que a sua violação não é acompanhada por medidas de coerção (sanções) jurídicas adequadas.

Porém, o Direito Constitucional, à semelhança de muitos outros ramos da ordem jurídica, não tem hoje apenas uma função «repressiva»; incumbe-lhe igualmente uma função promo­cional.

A ideia de direito constitucional como «direito sem sanção» só é válida se com ela se quer aludir à ideia de autogarantia, como traço diferenciador deste direito relativamente aos outros ramos da ordem jurídica. A observância das suas normas não é assegurada pela força de outras instâncias superiores da ordem jurídica; é um direito que gravita sobre si mesmo, apelando para as suas próprias forças e garantias, de forma a assegurar as condições de realização e execução das suas normas. Daí que não haja, rigorosamente, um «defensor da constituição» fora ou acima do direito constitucional: todos os órgãos dos poderes públicos, e, de forma especial, os órgãos de soberania, devem assumir a responsabilidade do respeito e cumprimento das normas constitucionais, independentemente de estas serem ou não susceptíveis de execução forçada (coercibilidade) e de à não obser­vância das mesmas se ligar qualquer tipo de consequência desfa­vorável (sanção).

C: Transversalidade
Por força do lugar iminente que ocupa o Direito Constitucional, faz-se com que este trace as grandes opções da comunidade, o que determina a sua relação com inúmeros temas relevantes para a convivência colectiva.

D: Policidade
Dado que o seu objecto é o estatuto do poder político;

E: Estadualidade
Por ser o Direito Constitucional, um sujeito e objecto do próprio Estado e por representar a radicalidade da soberania estadual.


[1] Sobre tudo isto, vide CANOTINHO, J.J. Gomes – Direito Constitucional, 6.a edição revista, LIVRARIA ALMEDINA, COIMBRA, 1993

2 comentários:

  1. Bom dia Dr.

    Na ultima aula de DC 1º Ano, UCM, falamos de tipos de constituições, onde entre outros falamos de Constituição Rigida, de onde emanou a minha pergunta sobre a Constituição dos EUA.

    Fui também pesquisar para poder ver se a minha pergunta não foi mera perca de tempo, o que parece mesmo que não. A constituição dos EUA desde os ano 1700 onde a primeira foi feita nunca foi alterada, mas sim foi sendo emendada, tendo sido a ultima (a emenda 26 de 1971).

    Ai surge mais uma pergunta, se se aceitar que não é rigida a Constituição dos EUA, quando é que se considera alterada uma constituição? Sera por revogação completa da anterior, ou por simples alteração de algumas cláusulas? O meu intendimento de revisão constitutional, é de que, no mínimo, não é mesma coisa com emenda constitucional, pois uma emenda não altera, mas melhora.

    ResponderEliminar
  2. Gostei da sistematização do conteúdo! apesar que na minha opinião tentaram separar ciência política do Direito Constitucional e também menos preciso quanto a ciências auxiliar.

    ResponderEliminar