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domingo, 6 de março de 2011

Obrigacoes: Caracteres, nocao e elementos

Características do Direito das Obrigações

- O Direito das Obrigações é um ramo de Direito civil de natureza tendencialmente patrimonial, no entanto o direito das obrigações não se pode considerar um puro direito da autonomia privada, isto porque temos vindo a assistir a uma crescente publicização com vista a assegurar uma melhor protecção de certos contraentes (arrendatário, trabalhador e ainda normas protectoras dos consumidores e daqueles que contratam por adesão).
De referir ainda que na área contratual predominam as normas supletivas, pelas quais o legislador vem suprir a falta de disposição das partes.


- O Direito das obrigações é um direito da dinâmica negocial. Dá suporte jurídico à vida negocial. Nesse sentido o direito das obrigações vai disciplinar as seguintes matérias:

a)      Circulação de bens (negócios de oneração e alienação)
b)      Colaboração entre homens (prestação de serviços e trabalho subordinado)
c)      Prevenção de riscos (contratos de seguros)
d)     Reparação de danos (responsabilidade civil, tanto a proveniente do não cumprimento de obrigações como a proveniente da violação de direitos subjectivos e ainda a responsabilidade objectiva, pelo risco)

Como ramo de Direito ao serviço da dinâmica negocial que dá suporte jurídico a vida negocial, o direito das obrigações demarca-se dos Direitos Reais, estes, são um conjunto normativo ao serviço da estática patrimonial.
O direito das obrigações, à imagem de outros ramos de Direito regula ainda relações inter subjectivas (entre sujeitos determinados) como adiante veremos, ao direito de crédito do credor corresponderá o dever de prestar do devedor.


- O Direito das obrigações é um sector normativo heterogéneo, isto porque, estuda realidades tão distintas como a responsabilidade civil e os contratos.


- O Direito das obrigações é um domínio relativamente estável dado a sua filiação no Direito Romano (estabilidade temporal) e dada a sua situação no seio da chamada família Romano-Germânica (estabilidade espacial) isto por existir uma relativa uniformidade, uma maior identidade de soluções.
Como domínio relativamente estável, logo menos receptivo as mudanças socio-económicas, é um Direito susceptível de ser codificado com âmbito supranacional.
Tal foi patente nos princípios do UNIDROIT (tentativa de instituir princípios uniformes na área dos contratos internacionais.


- O direito das obrigações tem uma forte ideologia ética, é, nesse sentido, permeável. Isso é patente em varias figuras, como por exemplo na do Abuso de Direito, (especialmente na sua forma de Venire contra factum proprium) na responsabilidade pré-contratual (art.227º, culpa in contrahendo) e outras. Todas estas figuras são objectivações desse princípio basilar das obrigações que é a Boa-fé.


Como sabemos, o Código Civil é uma das fontes do direito das obrigações, o Livro II, nos art. 397º a 1250º vai disciplinar toda a vida da relação obrigacional, com recurso por vezes ás normas relativas à formação dos contratos.
O Livro II do código é composto por dois títulos. O primeiro refere-se ás obrigações em geral, já o segundo trata dos contratos em especial.


Noção de Obrigação

Faz-se comummente referencia a um conceito amplo de obrigação, ora esse conceito mais alargado terá de ser depurado por forma a obter um conceito mais estrito, esse sim relevante ao Direito da Obrigações.

Obrigação em sentido amplo – é uma figura susceptível de abranger um conjunto de obrigações que são exorbitantes ao domínio do direito das obrigações, tais como: as obrigações morais, cívicas, religiosas, etc.

Obrigação em sentido estrito (sentido técnico) – corresponde à formulação do art.397º e é a relação em que ao direito subjectivo atribuído a um determinado sujeito, corresponde um dever de prestação que incumbe a outro sujeito determinado.
Assinala-se desde já o facto de se tratar de uma relação inter subjectiva, logo entre sujeitos determinados.

A obrigação em sentido técnico vai ter como objecto uma prestação, um comportamento imposto ao sujeito passivo, o devedor. Esse comportamento, ao qual o devedor está obrigado visa satisfazer o interesse do credor (sujeito activo).

Importa agora fazer a distinção entre Obrigação e outras figuras, são elas:

·Dever jurídico
·Estado de Sujeição
·Ónus Jurídico
·Poder-dever


·Dever jurídicoPor dever jurídico entende-se a necessidade imposta pelo direito objectivo, a uma dada pessoa, de observar determinado comportamento. É uma ordem, um comando, uma injunção dirigida à inteligência e à vontade doa indivíduos, que, no plano dos factos podem ou não proceder de acordo com ele. Como tal a imposição do comportamento é normalmente acompanhada da cominação de algum meio coercitivo.

O dever jurídico é o contrapolo do direito subjectivo, logo, está associado à possibilidade de o sujeito activo (titular do direito) o exigir coercitivamente.
Desde já verificamos que o dever jurídico, correspondente ao direito subjectivo não se confunde com o lado passivo da relação obrigacional (este é sempre um dever de prestação).

Aos deveres jurídicos podem corresponder, do lado activo da relação jurídica, direitos de crédito, direitos reais, direitos de personalidade, etc.
Como exemplo do que acabamos de dizer ateste-se no seguinte: Ao direito de propriedade (direito real por excelência) corresponde uma obrigação de abstenção adstrita a todos os terceiros indeterminados, a chamada obrigação passiva universal que se impõe erga omnes.

Já o dever de prestar é o contrapolo do direito de crédito. A relação obrigacional estabelece-se entre sujeitos determinados. Ao credor importa que o devedor efectue a prestação com vista à satisfação do seu interesse, ao devedor interessa que a obrigação rapidamente se extinga, preferencialmente através do seu cumprimento.

Podemos concluir que o dever jurídico é uma categoria bastante mais ampla que os deveres de prestação, sendo que estes são abarcados por aqueles. Nas obrigações existe sempre uma correlação intersubjectiva.


·Estado de Sujeiçãocomo vimos o dever jurídico é o contrapolo do direito subjectivo, já o estado de sujeição é o contrapolo do direito potestativo.
O direito potestativo é a faculdade concedida, pela ordem jurídica, a determinada pessoa, de, per si ou integrada numa decisão judicial, produzir efeitos jurídicos que inelutavelmente se impõem à contraparte, dizendo-se que esta fica num estado de sujeição.

O estado de sujeição consiste exactamente na situação em que a contraparte suporta na sua esfera jurídica (sem que nada possa fazer para a isso se escusar) os efeitos da actuação do titular do direito potestativo. Efeitos tendentes à criação, modificação ou extinção de relações jurídicas.

O titular passivo da relação nada tem de fazer para cooperar na realização do interesse da contraparte, é precisamente na desnecessidade de consentimento do próprio para que determinada relação se crie, modifique ou extinga na sua esfera jurídica que Botticher coloca a tónica do direito potestativo.

Do lado activo da relação tem-se caracterizado o direito potestativo (por contraposição aos poderes jurídicos em geral) por uma dupla nota:

a)O direito potestativo é inerente a uma relação jurídica pré-existente.

b)O direito potestativo esgota-se com o acto do seu exercício.

Como já vimos, o direito de crédito não prescinde da cooperação do devedor através da prestação (positiva ou negativa) a que este está adstrito.


·Ónus JurídicoÉ a imposição de observância de determinado comportamento a um sujeito, de forma a alcançar ou manter uma vantagem ou evitar uma desvantagem. Ex. Alguém compra um imóvel e procede ao registo com vista a torna a aquisição oponível a terceiros.

Não é um estado de sujeição, na medida em que se exige que o interessado proceda de determinada maneira para que os efeitos pretendidos se produzam. De igual forma, não é um dever jurídico (excepção feita ao caso do registo predial, este sim, obrigatório e que marca a viagem de simples ónus para verdadeiro dever jurídico) no sentido em que o não cumprimento do ónus não acarreta, para o onerado, qualquer tipo de sanção.

O ónus jurídico caracteriza-se por duas notas, são as seguintes:

a)O acto a que o ónus se refere não é imposto como um dever, logo, à sua inobservância não está associada uma sanção.

b)O acto visa satisfazer o interesse do onerado e não de terceiros.

É de referir a posição do Prof. Menezes Cordeiro que, ao invés do Prof. Antunes Varela, estabelece diferenças entre ónus e encargo ou incumbência, para Menezes Cordeiro os ónus satisfazem apenas os interesses do onerado.


·Poder-dever (poderes funcionais) – São exemplo de poderes-deveres os deveres recíprocos dos cônjuges, poderes paternais, poderes da tutela, etc.

São direitos conferidos no interesse, não do titular ou não apenas do titular, mas também de outra ou outras pessoas e que só são legitimamente exercidos quando se mantenham fieis à função a que se encontram adstritos.
Assemelham-se aos direitos subjectivos e, consequentemente, aos direitos de crédito, na medida em que conferem ao respectivo titular o poder de exigir de outrem determinado comportamento. No entanto distinguem-se dos direitos subjectivos patrimoniais porque o titular não é livre no seu exercício, tendo obrigatoriamente que exerce-los, por um lado e de faze-lo em obediência à função social a que o direito se encontra adstrito, por outro.


A relação jurídica obrigacional e os seus elementos constitutivos

1-Sujeitos
2-Objecto
3-Vinculo
3.1-Garantia


1-Sujeitos – São os titulares da relação (passivo e activo). É o elemento primordial da relação e é composto pelo credor (lado activo) e devedor (lado passivo).

O credor é a pessoa a quem se proporciona a vantagem resultante da prestação, o titular do interesse que o comportamento do devedor visa satisfazer.

Ser titular do interesse significa:

a)      Ser o credor o portador de uma situação de carência ou de uma necessidade
b)      Haver bens (coisas, serviços) capazes de preencherem tal necessidade.
c)      Haver uma apetência ou desejo de obter estes bens para um suprimento da necessidade ou satisfação da carência.

O credor é o amo e senhor da tutela do seu interesse. A tutela do seu interesse depende da sua vontade, o funcionamento dela está subordinado à iniciativa do titular activo da relação.

Art.511º CC – A lei admite que no momento em que a obrigação se constitui o credor (sujeito activo) não esteja determinado (mas seja determinável) no entanto, o devedor já terá de ser conhecido, já que se assim não fosse, não se estabeleceria a obrigação. Ex. 459º - Promessa publica; 452º - Contrato para pessoa a nomear.

O devedor é a pessoa sobre a qual recai o dever (especifico) de efectuar a prestação.
É, como sujeito passivo da relação, quem está adstrito ao cumprimento da prestação, enquanto o credor tem, dentro da relação obrigacional, uma posição de supremacia, o devedor ocupa uma posição de subordinação (subordinação jurídica, que não social, politica ou pessoal).

Se não cumprir pontualmente, é sobre o devedor que recaem as sanções estabelecidas na lei, e será sobre o património do devedor que irá recair a execução destinada a indemnizar o dano causado ao credor quando a prestação não seja voluntária ou judicialmente cumprida (art. 817º e 601º).

Apenas o credor tem direito à prestação, e esta apenas do devedor pode ser exigida.
A obrigação tem assim carácter relativo, porque vincula pessoas determinadas, ao invés dos direitos reais ou direitos de personalidade que, como direitos absolutos que são, valem em relação a um círculo indeterminado de pessoas (erga omnes).


No mais das vezes, existe apenas uma pessoa de cada lado da relação (um credor e um devedor) neste caso a obrigação diz-se singular.
No entanto a obrigação pode ser plural, quer do lado activo quer do lado passivo quer, simultaneamente do lado activo e passivo.

A persistência da obrigação (não obstante a alteração dos sujeitos)

A existência dos dois sujeitos já referidos é essencial à obrigação, como relação intersubjectiva que é (embora se admita o previsto no art.511º).
No entanto a permanência dos sujeitos originários do vínculo não é condição essencial à persistência da obrigação. Esta pode subsistir com todos os seus atributos fundamentais (garantias, contagem de prazo prescricional etc.) apesar de mudar um ou ambos os sujeitos da relação.

O que se diz quanto aos sujeitos originários é igualmente valido para aqueles que lhes sucedem na titularidade da relação.
Ex. Se A, credor de B, morrer e lhe suceder um único herdeiro, C, este ocupará o lugar de A na relação creditória. Entendendo-se que a relação constituída entre o herdeiro (C) e o devedor (B) é a mesma que existia na titularidade de A.

De forma idêntica se representam as coisas quando o credor cede o seu crédito a outrem (vendendo-o, doando-o ou trocando-o) ou quando um terceiro, como o fiador, paga em vez do devedor e a lei o investe (sub-roga) na posição do credor.
A obrigação, em casos como estes, mantém-se. Falamos então em transmissão da obrigação (atinente a estas matérias veja-se os art. 577º e SS).

A chamada ambulatoriedade da obrigação refere exactamente a ampla possibilidade de a obrigação mudar de sujeitos, muda de mão sem perder a sua identidade.


2-O ObjectoO objecto da obrigação consiste na prestação, conduta adstrita ao devedor (devida ao credor).

A conduta do devedor é o meio pelo qual o credor irá alcançar determinada posição (meio através do qual o credor verá cumprida a satisfação do seu interesse).

A prestação será positiva ou negativa, isto é, consistirá tanto numa acção como numa omissão.
A prestação é o fulcro da obrigação. Distingue-se do dever geral de abstenção próprio dos direitos reais, já que o dever de prestar é um dever específico (apenas atinge o devedor) ao contrário da obrigação passiva universal que se dirige a todos os terceiros.


3-Vinculo jurídico – o vinculo jurídico forma o núcleo centra da obrigação, o elemento substancial da economia da relação, nesse sentido, dir-se-á que o vinculo jurídico é o nexo ideal que une os poderes do credor aos deveres do devedor (binómio direito de exigir/dever de prestar).

O vínculo estabelecido entre o devedor e o credor constitui o elemento verdadeiramente irredutível da relação. Nele reside o cerne do direito de crédito, como resulta do art.397º, “obrigação é o vínculo...”

Segundo Coelho da Rocha é o “vínculo legal pelo qual é alguém adstrito a dar, fazer ou pagar alguma coisa”.


A natureza pessoal e não real da ligação

No âmbito da ligação incindivel entre o dever e o direito, entendemos ser necessário a cooperação por parte do obrigado, não obstante que, a intervenção de terceiros (nas obrigações fungíveis) bem como o mecanismo executivo diluam essa concepção.

Diz-se, então, que o cumprimento da obrigação não prescinde de um comportamento do devedor.
A relação de subordinação estabelecida entre os titulares da relação traduz-se, no poder que tem o credor de exigir a prestação, no dever que recai sobre o devedor de a efectuar e na sanção aplicável ao devedor inadimplente ou em mora a requerimento do credor lesado.
É neste ultimo ponto (a possibilidade de exigir coercitivamente o cumprimento) que reside a distinção entre obrigações civis ou perfeitas e obrigações naturais, nestas, tem o credor o poder de pretender que o devedor cumpra a sua obrigação, nunca a possibilidade de o exigir de forma coerciva.
Pode, no entanto, o credor reter a prestação a titulo de pagamento, caso o devedor a preste livremente, esse cumprimento espontâneo do devedor é tido como válido e sujeito a retenção por parte do credor (solutio retentio), logo, sem possibilidade de repetição por parte do devedor, art.402º.

Referimos há pouco que o cumprimento da obrigação não prescinde de um comportamento do devedor, no entanto podemos apontar algumas excepções.

a)      Situações em que a prestação pode ser efectuada por terceiros (ex. prestação de facto fungível)
b)      O caso em que o devedor (num contrato promessa) não celebre o contrato prometido, e que por via de decisão judicial se possa superar a falta de declaração do promitente faltoso.


Dentro do elemento Vinculo podemos destacar três sub-elementos, o direito à prestação, o dever de prestar e a garantia.

Garantia – A lei não se limita a impor um dever de prestar ao obrigado e o correlativo direito à prestação ao credor, mais, procura assegurar também a realização coactiva da prestação.
No entanto, na impossibilidade de actuação directa do credor, (como prescrito pelo art.1º C. Processo C.) vai-se conceder ao lesado o recurso à acção dos tribunais, logo, será este sub-elemento o que atribuirá mais carácter de juridicidade ao vínculo entre credor e devedor.

Efeito externo das Obrigações

Como direitos relativos que são, dir-se-á que esgotam a sua eficácia na relação inter-partes, como tal, terceiros não serão susceptíveis do violar a obrigação (com a sua conduta).

Há, no entanto, situações em que terceiros, não estando vinculados à obrigação são abrangidos pela relação. Com efeito, a relatividade essencial do direito de credito não obsta a:

a)      A lei considere excepcionalmente oponíveis a terceiros algumas relações que na sua essência, são autênticas relações obrigacionais.
b)      Que a relação de credito, na sua titularidade, constitua um valor absoluto, como tal oponível a terceiros.

A lei pode, para satisfazer interesses relevantes, impor ou permitir a oponibilidade a terceiros de relações estruturalmente obrigacionais (por assentarem fundamentalmente num dever de prestar e correlativo direito à prestação).

Assim sucede com a relação locatícia, que embora sendo de natureza obrigacional não deixa de ser oponível pelo locatário ao terceiro adquirente do direito (normalmente de propriedade) com base no qual o contrato foi celebrado, art.1057º, emptio non tollit locatum.

O mesmo sucede com a promessa de alienação (ou oneração) de imóveis ou móveis sujeitos a registo que goze de eficácia real, art.413º.


A Função da Obrigação

A obrigação não constitui um fim em si mesma, antes um meio, um instrumento técnico-jurídico criado por lei ou predisposto pelas partes, para a satisfação de um certo interesse.
O interesse primário é, desde logo, a satisfação do interesse do credor.

O interesse do credor assenta na necessidade ou situação de carência de que ele é portador e na aptidão da prestação para satisfazer tal necessidade.
Neste sentido o interesse do credor define a função da obrigação. Função que consiste na satisfação do interesse concreto do credor, proporcionada através do sacrifício imposto ao devedor pelo vinculo obrigacional.

Podemos então falar numa dupla dimensão da relação de crédito.

Por um lado como realização do interesse do credor, por outro como comando que impõe determinada conduta ao devedor.

Apesar de se tratar de um elemento externo (exterior) à estrutura da obrigação, o interesse do credor a que ela se encontra adstrita exerce uma influência decisiva em múltiplos aspectos do seu regime. Isso é flagrante na formulação do art.398º nº2.

Diz-nos o art.767º que a prestação pode ser efectuada por terceiro em lugar do devedor.
Nesta situação, não funciona o mecanismo da obrigação, mas atinge-se o fim ou preenche-se a função para que ele foi instituído.
Entende-se, por isso, que o credor apenas possa recusar a prestação, na falta de acordo que exclua a intervenção de terceiro, quando a substituição o prejudique.

Já se o interesse objectivo do credor na prestação desaparecer por causa superveniente, a obrigação extingue-se, porque suprimida a necessidade que servia de fundamento a tal interesse, cessa a razão de ser do vínculo obrigacional.


É ainda pelo interesse do credor que a lei manda pautar a resolução de alguns problemas delicados, tais como:

·Saber se a prestação é ou não fungível

·Para determinar se a impossibilidade de cumprimento deve considerar-se temporária ou definitiva (art.792º nº1 e 2) e se a impossibilidade parcial da prestação proveniente de causa não imputável ao devedor há-de ou não, ser equiparável à impossibilidade total, art.793ºnº2.

·Para delimitar os casos em que a mora do devedor equivale à falta definitiva de cumprimento, art.808ºnº1 e 2.

·Para fixar os termos em que a impossibilidade parcial da prestação, imputável ao devedor não legitima a resolução do negocio, art.802º.

·Para calcular o montante da indemnização a que o credor tem direito, no caso de a obrigação não ser cumprida, art.566º nº2.


A obrigação como valor do património do credor (o valor patrimonial da obrigação e do direito correspondente)

A obrigação não vale apenas ou em função do comportamento que o credor pode exigir do devedor a partir da data de vencimento da prestação.
Antes que a prestação debitória possa ser exigida ou seja efectivamente realizada, já o poder jurídico do credor, economicamente considerado representa (sempre que a prestação seja susceptível de avaliação pecuniária) um elemento actual do seu património.
O valor patrimonial do crédito assenta na expectativa do seu cumprimento, reforçada pela garantia geral que incide sobre o património do devedor ou pelas garantias especiais que confiram ao credor uma posição de supremacia perante os demais credores.
Através do poder de disposição, que em principio, integra todos os direitos patrimoniais. O credor pode utilizar o valor económico do seu direito quer como objecto de alienação ou de oneração, quer como instrumento de crédito.
O crédito é, por conseguinte, um objecto do comércio jurídico como qualquer outro direito patrimonial.

As formais mais vulgares, através das quais se efectiva o poder de disposição do credor nas obrigações civis são:

·A cessão de créditos – negocio jurídico através do qual o credor transmite a terceiro a titularidade do seu direito ou parte dele, independentemente do consentimento do devedor, art.577º e SS.

·O Penhor sobre o credito mediante o qual o credor constitui a favor de um dos seus credores um direito de preferência no concurso em os demais credores, art.679º e SS.

Cabe ainda referir o interesse do devedor, esse, será primordialmente o da extinção da obrigação, preferencialmente através do cumprimento, art.779º, 539º, 543º nº2.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Elementos das Obrigacoes


4.      Relações obrigacionais simples e complexas
A relação jurídica em geral diz-se una ou simples, quando compreende o direito subjectivo atribuído a uma pessoa e o dever jurídico ou estado de sujeição correspondente, que recai sobre a outra; e complexa ou múltipla, quando abrange o conjunto de direitos e deveres ou estados de sujeição nascidos do mesmo facto jurídico.

5.      Elementos constitutivos da relação
São três os elementos constitutivos da relação obrigacional:
a)     Os sujeitos, que são titulares (activo ou passivo) da relação;
b)     O objecto, que é a prestação debitória;
c)     O vínculo, que é o nexo ideal que liga os poderes do credor aos deveres do obrigado.

6.      Os sujeitos
O primeiro elemento da relação, pelo papel primordial que desempenha dentro dela, é constituída pelos sujeitos: o credor, de um lado; e o devedor, do outro.
O credor, é a pessoa a quem se proporciona a vantagem resultante da prestação, o titular do interesse que o dever de prestar visa satisfazer.
Ser titular do interesse protegido, significa, no fundo o seguinte:
a)     Ser o credor, o portador de uma situação de carência ou de uma necessidade;
b)     Haver bens (coisas, serviços) capazes de preencherem tal necessidade;
c)      Haver uma apetência ou desejo de obter estes bens para o suprimento da necessidade ou satisfação da carência.
O devedor é, por seu turno, a pessoa sobre a qual recai o dever específico de efectuar a prestação.
Excepcionalmente a prestação feita a terceiros é liberatória e considera-se como se tivesse sido feita pelo credor. Mas são casos excepcionais.
Quando uma obrigação é plural podemos ter um de dois regimes: o da conjunção ou da solidariedade.

7.      Características essenciais do regime
Considerando-se a hipótese de pluralidade passiva (vários devedores):
Ø  Se os vários devedores forem conjuntos, isso significa que o credor, para exigir o cumprimento integral da obrigação, tem de se dirigir a cada um e a todos os condevedores, exigindo de cada um a quota que lhe cabe na obrigação comum.
Ø  Se a obrigação for solidária, o credor pode exigir de qualquer dos devedores o cumprimento integral da obrigação. Qualquer dos devedores está obrigado ao cumprimento da totalidade da prestação e tem contra os seus devedores o direito de regresso na quota que a dada um corresponde.
Importante é saber que quando a obrigação é civil (por contraposição, designadamente à obrigação mercantil ou comercial) o regime da obrigação plural é o da conjunção, salvo se a lei ou da convenção das partes resultar o regime da solidariedade.
Considerando a hipótese da pluralidade activa (vários credores):
Ø  Quando está perante solidariedade activa, isto significa que qualquer dos credores pode, sozinho, extinguir do devedor a titularidade da dívida e depois tem a obrigação de pagar aos outros credores a parte que lhe cabe no crédito comum.
Ø  Se a obrigação plural do lado activo for conjunta, cada um dos credores tem a exigir do devedor comum a parte que lhe cabe no crédito comum.
A relação obrigacional não se altera pelo facto de se alterar a pessoa de um dos sujeitos da relação obrigacional.

8.      O objecto
É a prestação devida ao credor é o meio que satisfaz o interesse do credor, que lhe proporciona a vantagem a que ele tem direito.
A prestação, consiste em regra, numa actividade ou numa acção do devedor. Mas também pode consistir numa abstenção, permissão ou omissão.
A prestação é o fulcro da obrigação, o seu alvo prático. Distingue-se do dever geral de abstenção próprio dos direitos reais, porque o dever jurídico de prestar é um direito específico, enquanto o dever geral de abstenção é um dever genérico, que abrange todos os não titulares (do direito real ou de personalidade). Tendo principalmente em vista as obrigações de coisas, os autores costumam distinguir entre objecto imediato, consiste na actividade devida; e o objecto mediato da obrigação, na própria coisa em si mesma considerada, ou seja, no objecto da prestação.
O objecto da obrigação é a prestação. Como objecto que é de um negócio jurídico, a prestação tem de obedecer a certos requisitos para ser válido o negócio que emerge a obrigação. São eles:
a)     Determinabilidade;
b)     Possibilidade física e legal;
c)     Licitude.

9.      Determinabilidade
É quando não estando concretamente determinada na sua individualidade, está enunciado um ou vários critérios que permitem a sua determinação. Se não houver qualquer critério de determinabilidade da prestação, em princípio é nulo o negócio de que emerge a obrigação. Admite-se que a determinação possa ser confiada, pelos próprios interessados, a uma ou outra das partes, ou a terceiro. Os critérios da equidade só são aplicáveis, se outros não estiverem sido estipulados.

10. Possibilidade física
Quando no momento da constituição da obrigação a prestação é susceptível de ser realizada humanamente, é passível de realização pelas pessoas em geral, mesmo que não seja realizável pelo devedor. É a possibilidade objectiva. A obrigação só é inválida quando for objectivamente impossível originariamente. Quando a obrigação não for realizável nem pelo devedor, nem pela generalidade das pessoas, nem por ninguém (há uma impossibilidade física) é nulo o negócio de que provinha a obrigação. Fala-se de impossibilidade legal, para significar os casos em que por força da ordem jurídica, não é possível realizar o objecto da obrigação.
Há casos em que se constitui a obrigação e no momento da sua constituição é possível a prestação. E depois, acontece algo que vem a impossibilitar o cumprimento da obrigação. A obrigação e válida e tem um outro regime que é o da impossibilidade superveniente, regime esse que pode ser um de dois:
1.      O da impossibilidade superveniente não culposa, o devedor não tem culpa nenhuma que a obrigação se tivesse tornado impossível;
2.      O da impossibilidade superveniente culposa, o devedor é culpado pelo facto de a obrigação se ter tornado impossível.

11. Principais modalidades de prestação
Prestação de facto e prestação de coisa, conforme o seu objecto se esgota, num facto ou se refere a uma coisa, que constitui o objecto mediato da obrigação.
Prestação de facto ou de terceiro, a prestação de facto refere-se em regra, a um facto do devedor. É o depósito que se obriga a guardar e restituir a coisa ou o mandatário que se compromete a realizar determinados actos jurídicos, no interesse do mandante. Mas pode o facto devido reportar-se a factos de terceiro.
Prestação de coisa, prestação de coisa futura, a doutrina do direito comum distinguia, quanto ao tipo da prestação segundo um critério mais escolástico do que propriamente jurídico, entre as obrigações de dare, facere e non facere. As duas últimas correspondem às prestações de facto; as primeiras à actual prestação de coisa.
Prestação de coisa futura, a prestação de coisa refere-se, por via de regra, a coisas já existentes. Mas pode também ter por objecto coisa futura.  A expressão coisa futura é porém usada por lei numa acepção ampla abrangendo não só as coisas que ainda carecem de existência como as próprias coisas já existentes, a que o disponente ainda não tem direito ao tempo da declaração negocial.
A lei, ao admitir prestação de coisa futura, quer significar que tal prestação de coisa futura, quer significar que tal prestação pode constituir objecto da obrigação. Se a coisa futura não chega a existir, ou que vem a existir, mas em quantidade inferior à prevista, por causa não imputável ao devedor, a obrigação extingue-se total ou parcialmente, conforme os casos, ficando o credor desonerado de toda a contra prestação ou de parte dela. Mas nada impede que as partes convencionem que o risco da prestação não chega a existir será suportado pelo credor.
Prestação instantânea e prestações duradouras, dizem-se instantâneas as prestações em que o comportamento exigível do devedor se esgota num só momento ou num período de tempo de duração praticamente irrelevante.
A prestação protela-se no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória, influência decisiva na conformação global da prestação (prestação duradoura).
Prestação fungível[i][1], quando pode ser realizada por pessoas diferentes do devedor, sem prejuízo do interesse do credor; será não fungível, no caso de o devedor não puder ser substituído no cumprimento por terceiro. São as obrigações em que ao credor não interessa apenas o objecto da obrigação mas também a habilidade, o saber, a destreza, a força, o bom-nome ou outras qualidades pessoais do devedor.

12. Facto jurídico ou vínculo jurídico
Através do vínculo que a ordem jurídica estabelece entre o credor e o devedor. Este vínculo, constituído pelo enlace dos poderes conferidos ao credor com os correlativos deveres impostos ao titular passivo da relação, forma o núcleo central da obrigação, o elemento substancial da economia da relação. Atenta a facilidade com que mudam os sujeitos da obrigação e ponderadas as transformações que sofre a cada passo a própria prestação debitória, o vínculo estabelecido entre o devedor e o credor constitui o elemento verdadeiramente irredutível na relação. Nele reside o cerne do direito de crédito.
Na relação obrigacional há essencialmente um direito subjectivo relativo, um direito de crédito, e uma posição jurídica passiva – uma obrigação.
O direito do credor é o direito a obter a prestação voluntária ou coercivamente.
O credor tem direito à prestação e, no caso de não haver cumprimento espontâneo, tem a chamada acção de cumprimento, que é a entidade complexa que se decompõe numa acção declarativa e numa acção executiva, das quais a segunda pode depender a primeira, isto é, da condenação do devedor à realização da prestação.
A execução é o meio comum de obter coactivamente a satisfação do direito do credor. Mas não é o único. Não pode pôr-se de parte a possibilidade do exercício da acção directa, como meio do credor obter o cumprimento da obrigação.
Dizer que a relação obrigacional se resolve num direito e numa obrigação é uma verbalização tradicional mas muito empobrecera das realidades que a relação obrigacional constitui: isto porque, para além do dever de prestação principal sobre o devedor impedem numerosos, de conduta, de protecção.
Uma vez determinado concretamente o objecto da prestação, é aquele bem, que vai entrar no património do comprador, quer ele queira, quer não queira.
Os três elementos que integram o vínculo existente entre os sujeitos da relação, são:
a)     O direito à prestação;
b)     O dever correlativo de prestar;
c)     A garantia.

13. O direito à prestação
É o poder (juridicamente tutelado) que o credor tem de exigir a prestação do devedor.
O credor e só ele pode exigir o cumprimento, e é de acordo com a sua vontade que funciona o mecanismo da execução, quando o devedor não cumpra, mesmo depois de condenado. O credor não é apenas o portador subjectivo do interesse tutelado; é o titular da tutela do interesse; é o sujeito das providências em que a protecção legal se exprime.
14. O dever de prestar
É a necessidade imposta (pelo direito) ao devedor de realizar a prestação sob a cominação das sanções aplicáveis à inadimplência.

15. A garantia
A lei não se limita a impor um dever de prestar ao obrigado e a atribuir ao credor o correlativo à prestação. Procura assegurar também a realização coactiva da prestação sem prejuízo do direito que, em certos casos, cabe ao credor de resolver o contrato ou de recusar legitimamente o cumprimento da obrigação que recaía sobre ele próprio, até que a devedor se decida a cumprir.
A acção creditória, é o poder de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação, quando o devedor não cumpra voluntariamente, e de executar o património deste.
 Vista do lado do devedor, a garantia traduz-se fundamentalmente na responsabilidade do seu património pelo cumprimento da obrigação e na consequente sujeição dos bens que o integram aos fins específicos da execução forçada.
Se o devedor não cumprir espontaneamente a obrigação:
Ø  Ou a prestação é de tal natureza que o credor pode exigir a sua execução específica; ou a prestação, por ser infungível, é insusceptível de execução específica.
Ø  Ou o credor já perdeu o interesse que tinha na prestação e o incumprimento tornou-se definitivo.
Quando se chega a esta situação de o credor ter ao seu dispor a indemnização pelos danos decorrentes do incumprimento, o que garante o cumprimento do crédito e do crédito indemnizatório é o património do devedor.
A garantia geral das obrigações é o património do devedor. Mas nem todos os bens são susceptíveis de apreensão judicial, isto é, nem todos os bens são penhoráveis, dentro dos bens penhoráveis há três categorias:
Ø  Há bens que são totalmente penhoráveis;
Ø  Há bens que são relativamente penhoráveis, quer dizer que são impenhoráveis em relação a certos processos;
Ø  Há bens que são parcialmente impenhoráveis, assim acontece com uma parte (2/3) de todas as remunerações periódicas de trabalho.
A garantia geral das obrigações, é constituída não por todos o património do devedor, mas apenas pelos bens componentes desse património que são susceptíveis de penhora.
Meios de conservação da garantia patrimonial:
â    Declaração de nulidade/legitimidade dos credores;
â    Sub-rogação do credor ao devedor;
â    A impugnação pauliana;
â    Arresto.

16. Garantias especiais das obrigações
Para além da garantia geral que é comum a qualquer obrigação, uma obrigação pode dispor de uma garantia especial, a qual pode ter como fonte: convenção, a lei ou decisão judicial, dependentemente do tipo de garantia. Dois subtipos:
-         Garantias pessoais;
-         Garantias reais.
Garantias pessoais: está-se perante esta, quando um sujeito, terceiro relativamente à relação obrigacional, responde com o seu património pelo cumprimento da obrigação. A nossa lei prevê três garantias especiais pessoais:
-         A fiança;
-         A sub-fiança;
-         Mandato de crédito.

17. Garantias reais
Está-se perante esta, quando por convenção das partes, por estipulação da lei ou por decisão judicial, certos bens, ou o valor de certos bens, ou o valor dos rendimentos de certos bens, responde privilegiadamente pelo cumprimento da obrigação.
Quer isto dizer que quando há uma garantia real, o credor tem o direito de se fazer pagar com preferência sobre todos os credores, pelo valor de um certo bem ou dos rendimentos de um certo bem. Ele pode fazer vender judicialmente um certo bem e com o produto da venda judicial desse bem, fazer-se pagar pelo seu crédito. Isto independentemente de ser ou não suficiente. Se for insuficiente, ele depois concorre, para a parte restante com os demais credores quanto à garantia geral. As garantias reais previstas na nossa lei são:
a)     A consignação de rendimentos;
b)     Penhor;
c)     Hipoteca;
d)     Privilégios creditórios;
e)     Direito de retenção.


[1] A fungibilidade, a parece consagrada como regra no art. 767º/2 CC, que apenas ressalta os casos em que expressamente se tenha acordado que a prestação deva ser feita pelo devedor (não fungibilidade convencional) ou em que a substituição prejudique o credor (não fungibilidade fundada na natureza da prestação).




Bibliografia Principal:
VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, Almedina; Coimbra.